Filme : O Nome da Rosa
O Nome da Rosa ilustrando e analisando o contexto medieval e a Filosofia do período.
Desvendando a Idade Média com "O Nome da Rosa": Uma Aula de Filosofia
Prezados alunos, hoje vamos adentrar os corredores sombrios de um mosteiro medieval do século XIV, não apenas como espectadores de um bom mistério, mas como filósofos em treinamento. O filme O Nome da Rosa, baseado na obra-prima de Umberto Eco, é muito mais que um thriller sobre assassinatos. Ele é um retrato vibrante e complexo do pensamento filosófico da época, um verdadeiro campo de batalha onde a Fé, a Razão e o Poder se confrontam.
Para entender esse contexto, precisamos voltar um pouco na história do pensamento ocidental.
Os Alicerces: A Filosofia Patrística
Antes da Escolástica, tivemos a Filosofia Patrística, desenvolvida pelos "Padres da Igreja", como Santo Agostinho. Seu grande projeto foi harmonizar a fé cristã com a filosofia grega, particularmente com o platonismo. Para Agostinho, a fé era o ponto de partida: "Creio para entender". A razão humana, corrompida pelo pecado original, precisava da iluminação divina para alcançar a verdade. A verdade já estava revelada nas Escrituras; cabia à filosofia compreendê-la melhor, não questioná-la.
O Palco Principal: A Filosofia Escolástica
Já no período retratado no filme, a Filosofia Escolástica dominava os centros de saber – as universidades e os mosteiros. Seu maior expoente, São Tomás de Aquino, inverteu a fórmula de Agostinho. Para ele, devíamos "entender para crer". Tomás de Aquino buscou uma síntese mais robusta entre fé e razão, utilizando a lógica de Aristóteles – um filósofo pagão! – para provar a existência de Deus e explicar os dogmas cristãos. A Escolástica acreditava que o mundo era racional porque era obra de um Deus racional, e que a filosofia (a razão) era uma ferramenta legítima para explorar a criação divina.
O Mosteiro como Microcosmo do Conflito Filosférico
É nesse cenário que O Nome da Rosa se desenrola. O mosteiro é um símbolo do mundo medieval: um lugar fechado, onde o conhecimento é guardado a sete chaves. Os personagens representam as correntes de pensamento em choque:
1. Guilherme de Baskerville (o detective, William no filme): Ele é a personificação do ideal escolástico em sua forma mais pura e perigosa. Um franciscano, discípulo de Roger Bacon e Guilherme de Ockham, ele usa a observação empírica, a dedução lógica e a razão para desvendar o mistério. Ele acredita que o mundo está repleto de sinais que a mente humana pode decifrar. Ele representa a Razão tentando encontrar seu espaço em um mundo dominado pela Fé cega.
2. Jorge de Burgos (o velho monge cego): Ele é o guardião da tradição agostiniana levada ao extremo. Para Jorge, a busca pelo conhecimento racional é um pecado de soberba. Ele teme o riso, a dúvida e, acima de tudo, o livro de Aristóteles sobre a comédia, porque estes elementos questionam a seriedade e a ordem divina. Ele representa a Fé que rejeita a Razão, acreditando que qualquer questionamento leva à heresia. Sua famosa frase, "O riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez da nossa carne", é um ataque direto ao espírito inquisitivo e humano que a filosofia grega representava.
3. A Biblioteca Labiríntica: Este é o símbolo mais poderoso do filme. O conhecimento (a biblioteca) é um labirinto, protegido e restrito a uma elite. O acesso ao saber é controlado, e alguns saberes são considerados perigosos demais. O labirinto representa a própria dificuldade de conciliar fé e razão, e o medo que a Igreja tinha do conhecimento cair em "mãos erradas".
O Grande Conflito: Aristóteles vs. Dogma
O cerne do mistério é o segundo livro da Poética de Aristóteles, aquele que trata da comédia. Por que um livro sobre comédia seria tão perigoso?
Porque a comédia, para Aristóteles, é uma forma de conhecimento que nasce da observação das imperfeições humanas. Ela relativiza, questiona a autoridade e, acima de tudo, tira o medo. Se as pessoas rirem de tudo, inclusive do que é considerado sagrado, o poder da Igreja, baseado no temor a Deus e na autoridade incontestável, desmorona. Jorge, ao esconder o livro, está travando uma batalha contra o humanismo nascentee o racionalismo que, séculos depois, dariam origem ao Renascimento e à Ciência Moderna.
Conclusão para a Aula:
O Nome da Rosa não é apenas um filme sobre a Idade Média; é um filme sobre os eternos conflitos da condição humana: entre a Fé e a Razão, entre a Autoridade e a Liberdade de Pensamento, entre o Medo e a Curiosidade.
Ao assistirmos a Guilherme desvendando o mistério com sua lógica, testemunhamos o embrião do método científico. Ao ouvirmos os temores de Jorge, entendemos as forças que resistiam a essa revolução mental. O filme nos mostra que a Filosofia não é um conjunto de respostas prontas, mas uma busca constante, muitas vezes perigosa, pela verdade. E nos lembra que, às vezes, o maior pecado não é o questionamento, mas o silêncio imposto pelo medo.
Que este filme seja um convite para vocês, assim como Guilherme, a nunca terem medo de adentrar os labirintos do conhecimento.
ATIVIDADE PONTUADA (+10)
Exercício: Filosofia Medieval em "O Nome da Rosa"
Instruções: Leia o texto "Desvendando a Idade Média com 'O Nome da Rosa': Uma Aula de Filosofia" e responda às questões a seguir.
Parte 1: Questões Discursivas (Valor: 5 pontos cada)
1. Segundo o texto, qual era o projeto central da Filosofia Patrística e qual filósofo grego foi fundamental para essa empreitada, especialmente em Santo Agostinho?
2. Explique, com base no filme, a diferença fundamental entre os lemas "Creio para entender" (Patrística) e "Entender para crer" (Escolástica).
3. O personagem Guilherme de Baskerville personifica uma corrente do pensamento escolástico. Identifique essa corrente e explique duas de suas características que são demonstradas por ele no filme.
4. Por que o personagem Jorge de Burgos vê o riso e o livro sobre a comédia de Aristóteles como uma ameaça tão grande? Relacione isso com sua visão de fé e conhecimento.
5. A biblioteca labiríntica é apresentada no texto como um símbolo poderoso. Explique o que ela representa no contexto do controle do conhecimento na Idade Média.
6. O texto afirma que o conflito no filme é entre "Fé e Razão". Dê um exemplo concreto de uma cena ou situação do filme que ilustre esse embate.
7. Além do conflito Fé vs. Razão, que outro "eterno conflito da condição humana" é mencionado no texto como sendo retratado no filme? Explique brevemente como ele se manifesta na narrativa.
8. Na conclusão, o texto diz que o filme mostra "o embrião do método científico" na atitude de Guilherme. Qual aspecto do método de investigação de Guilherme apoia essa afirmação?
Parte 2: Questões de Múltipla Escolha
Assinale a alternativa correta.
9. A Filosofia Patrística, representada por figuras como Santo Agostinho, teve como principal objetivo:
a) Separar completamente a fé cristã da filosofia grega.
b) Substituir a fé pela razão pura como caminho para a verdade.
c) Harmonizar a fé cristã com a filosofia grega, especialmente o platonismo.
d) Promover o ceticismo em relação aos dogmas da Igreja.
10. A principal inovação da Filosofia Escolástica, em comparação com a Patrística, foi:
a) A rejeição total do uso da lógica.
b) A defesa de que a razão era inútil para a teologia.
c) A utilização da lógica de Aristóteles para articular fé e razão.
d) O foco exclusivo na interpretação literal da Bíblia.
11. No filme, o personagem de Guilherme de Baskerville representa:
a) A rejeição mística e anti-intelectual da realidade.
b) A defesa da autoridade incontestável dos dogmas da Igreja.
c) O uso da observação empírica e da dedução lógica para investigar a verdade.
d) A ideia de que o riso é a única forma de alcançar o conhecimento.
12. O temor do personagem Jorge em relação ao livro de Aristóteles sobre a comédia deve-se principalmente ao fato de que a comédia:
a) Era um gênero literário desconhecido e incompreensível para os medievais.
b) Promovia a obediência cega e o reforço da autoridade clerical.
c) Tinha o poder de questionar a autoridade e relativizar o que era sagrado.
d) Era considerada a forma mais elevada de arte sacra pela Igreja.
13. O símbolo da "biblioteca labiríntica" no filme representa principalmente:
a) A facilidade de acesso ao conhecimento para todos os monges.
b) A organização alfabética e democrática dos livros medievais.
c) O controle e a restrição do conhecimento por uma elite.
d) A confusão e a falta de importância dos livros na Idade Média.
14. O conflito central retratado em "O Nome da Rosa" pode ser definido como um embate entre:
a) O Império Romano e as tribos bárbaras.
b) A arte e a ciência do Renascimento.
c) A Fé dogmática e a Razão investigativa.
d) O feudalismo e o capitalismo mercantil.
15. A atitude de Guilherme de Baskerville, segundo o texto, prenuncia o surgimento:
a) Do Romantismo artístico do século XIX.
b) Do método científico e do humanismo.
c) Da teoria do Direito Divino dos Reis.
d) Da filosofia pós-moderna e do desconstrucionismo.
16. A frase "O riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez da nossa carne", dita por Jorge de Burgos, expressa:
a) Uma visão humanista e celebrativa da natureza humana.
b) Uma crença na capacidade do riso de salvar as almas.
c) Uma visão que rejeita a razão e teme o questionamento.
d) Um conceito central da filosofia tomista sobre a comédia.
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